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Um edifício sustentável é mais caro? Descubra a verdade sobre o assunto

por Marcelo Nudel


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Essa pergunta clássica é constante no mercado: Quanto custa a sustentabilidade de uma edificação? A questão surge em reuniões de trabalho, em congressos, discussões em revistas. Em geral, para efeito de cálculo de sobre-custo utiliza-se o parâmetro da certificação, no Brasil em geral o LEED. Como o termo “edifício sustentável” pode significar virtualmente qualquer coisa, a discussão de custos costuma se basear nos custos de uma edificação certificada, o que em muitos casos é um parâmetro adequado para efeito de comparação (com ressalvas, mas um bom parâmetro).

Em geral as respostas à essa pergunta são vagas. A resposta mais comum entre consultores é “um bom projeto pode ser dotado de características sustentáveis sem sobre-custo algum, se o projeto for bem feito”. Essa resposta pode estar correta. Mas nem sempre, principalmente no Brasil. Explico as razões à seguir. 

O conceito de custo extra em edificações certificadas sempre será relativo e depende do rigor da legislação local e do padrão atual de mercado. O sobre–custo será tão baixo quanto rigorosas forem a legislação local e o padrão de mercado. É portanto um sobre-custo aparente e não absoluto. Devido ao padrão atual de mercado e a inexistência de legislação específica adequadamente rigorosa, o sobre-custo no Brasil existe.

Em 2003, no início da difusão do sistema LEED nos Estados Unidos, o Governo do Estado da Califórnia encomendou um estudo (KATS, G. 2003. The Cost and Financial Benefits of Green Buildings) com o objetivo de compreender os reais custos de edificações certificadas. Coletaram dados e custos de projetos certificados naquele país durante os 4 primeiros anos de aplicação do sistema LEED. Os resultados indicaram um acréscimo que variava de acordo com o nível de certificação, de 0,66% a 6,5% em comparação com edifícios não certificados.

Esse sobre-custo é relativo à realidade do mercado norte- americano da época e não pode, no entanto, ser transposto ao Brasil dos dias de hoje. Nos países onde a cultura da sustentabilidade já atingiu estágios mais avançados de maturidade, como Estados Unidos, Inglaterra, Austrália e Alemanha, os próprios códigos de edificações obrigam o mercado a “elevar a régua” na concepção de edifícios convencionais, não certificados. Isso reduz os custos adicionais aparentes.

O padrão de mercado também regula esse sobre-custo aparente. Em 2002, ano do surgimento do sistema Australiano Green Star os edifícios de escritórios naquele país eram em sua maioria providos de vidros laminados. Após os primeiros 5 anos de aplicação do sistema, o mercado passou a produzir largamente edifícios com fachadas de vidros insulados low-e, adequados ao clima local, assim como a explorar alternativas para a aplicação de elementos sombreadores externos (brises). Atualmente, edifícios certificados no país são dotados quase que em sua totalidade por ambos os elementos. O mercado se transformou, e o que era considerado inovador antes, tornou-se padrão, o que contribui para a redução de sobre-custos aparentes.

Na nossa experiência no Brasil, entendemos que a média de acréscimo de custos em uma edificação certificada pelo LEED por exemplo fique próximo dos 2% a 6%, podendo chegar à 10-12% em determinadas regiões. Percebemos também que nos últimos 5 anos esse acréscimo vem sofrendo ligeira redução, principalmente quando observados projetos elaborados pela mesma empresa incorporadora e equipe de projeto. A experiência adquirida na concepção de edifícios sustentáveis é um grande aliado na redução de custos capitais.  

Entendo que empresas de incorporação e construção podem reduzir significativamente o sobre-custo de edificações certificadas, porém não eliminar por completo os custos adicionais decorrentes da intenção de certificar enquanto nossa legislação não elevar o padrão. Cito um bom exemplo de projeto cujos sobre-custos foram reduzidos em função de uma adequada concepção de projeto integrado em um contexto em que a legislação e o padrão de mercado são restritivos.

Em meu portfólio de projetos, consta participação na equipe de consultoria em sustentabilidade do edifício Sydney Water Potts Hill na Austrália, sede da empresa de abastecimento de água de Sydney, cuja foto ilustra esse artigo. Se considerarmos o código de edificações vigentes e as práticas tradicionais de mercado podemos afirmar que a certificação não elevou os custos de construção além do convencional. O edifício sustentável, certificado pelo sistema Green Star conta com 6.000 m2 de área de escritórios divididos em 2 pavimentos. Possui um fantástico átrio central que traz luz natural aos espaços de trabalho e áreas de uso comum. Suas fachadas são dotadas de vidros insulados low-e e são protegidos externamente por brises completamente integrados à arquitetura e adequadamente dimensionados para reduzir a carga de pico, o consumo anual de energia e proteger os ocupantes contra ofuscamento. O edifício opera durante as estações intermediárias sob o regime de vetilação natural, o que é possível através de aberturas adequadamente posicionadas e dimensionadas e em função da redução de carga térmica de fachada proporcionada pelos brises. É um edifício de escritórios quase que convencional com base na legislação local e práticas vigentes, portanto não apresenta custos adicionais no mercado em que se insere.

No Brasil, onde a prática vigente e a legislação permitem a criação de verdadeira estufas, edifícios caixas de vidro, obviamente algum custo extra irá incorrer na busca pela certificação, sejam elementos de fachada, sejam sistemas prediais mais eficientes para compensar os gastos energéticos decorrentes de excessiva carga térmica.

O aumento de custos em projetos sustentáveis ainda é no Brasil forte impeditivo de investimentos. Em especial àquelas empresas que produzem edifícios especulativos e não se beneficiam da economia nos custos de operação. Em alguns casos o custo será realmente proibitivo, em especial nos empreendimentos de menor porte. O que o Brasil ainda não respondeu definitivamente são perguntas como: “Quanto a mais o mercado está preparado para pagar por um edifício sustentável?” ou  “Quanto a mais vale o aluguel de um edifício sustentável em função da economia em operação? “. Um estudo elaborado em 2011 pela Western Sydney University (“Building Better Returns: A study of the Financial Performance of Green Buildings in Australia“) avaliou o retorno financeiro de edifícios sustentáveis após 11 anos de aplicação do sistema de certificação local Green Star (com cerca de 360 edifícios certificados até então). Os autores concluíram que projetos certificados possuem um valor de venda e de aluguel respectivamente de 12% e 5% superior a edifícios convencionais, e atingem taxa de vacância de até 2% a menos do seus pares não certificados. Não há no Brasil um estudo conclusivo como esse.

Que nosso mercado possa substituir o “quanto custa a mais”, pelo “quanto vale a mais”.

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