Parede de concreto: acerte de primeira!
Por Edson Petronilho
Do outro lado da linha o homem vociferava. Estava “virado no cão”. E não era por menos. Aos poucos comecei a entender do que se tratava. Era uma obra em parede de concreto do Minha Casa Minha Vida no Pará e o primeiro lote de casas entregue por este engenheiro não fora aceito pelos clientes devido à quantidade de fissuras e outros problemas. Imagina o tamanho da confusão!
Depois de tudo esclarecido e acertado, embarquei com destino ao canteiro. Ao chegar, a primeira impressão foi péssima. Eram muitas fissuras… A segunda impressão também não foi boa. Nada no processo executivo era qualificado. Tudo era de segunda linha. Os painéis ‘agarravam’ e exigiam força e pancada para se soltarem. Eram evidentemente painéis baratos. Haviam falhas de concretagem, retração do concreto e muita gente de ‘larga experiência com o sistema’ reclamando que ‘só aqui está ocorrendo estas barbaridades’.
Este sistema de parede de concreto começou a ser utilizado na década de setenta, na Europa, e teve excelentes resultados quando aplicados aqui no Brasil. O problema é que a falta de políticas consistentes de produção de moradias e de incentivo à indústria fez com que a boa intenção do empresário em imobilizar capital em equipamentos o tornasse frágil frente às oscilações da economia combalida do Brasil e muitos fracassaram. Historicamente, nunca foi bom investir em equipamentos de obra.
Na última década, entretanto, as paredes de concreto moldadas in loco, em formas de alumínio, desembarcaram novamente no Brasil com grandes perspectivas de sucesso para a construção de apartamentos e casas de conjuntos habitacionais para baixa renda, seja pela redução de custo e elevada velocidade e produtividade, seja pela vantagem de racionalização de recursos e apelo de sustentabilidade. Os tempos são outros e o processo é mais evoluído, mas como se diz em Minas, ‘cachorro picado por cobra tem medo de linguiça’.
O mercado abraçou a tecnologia com cautela e ainda vive o período de integração com seus problemas e facilidades.
As paredes moldadas in loco são produzidas em concreto e utilizam fôrmas de alumínio. Velocidade e produtividade são a meta. É esta equalização de competência e resultado que foi equilibrada com sucesso, atualmente. Considerando o valor do investimento e como boa a qualidade da forma, ajusta-se o concreto para as condições de trabalho que permita a viabilização do sistema. Daí a necessidade de um concreto mais evoluído, autoadensável. Daí também a necessidade de normalização para oferecer respaldo técnico e jurídico.
O concreto autoadensável obedece às determinações da NBR 15.823, publicada em 2010. Ele apresenta elevadas fluidez e deformabilidade, além de excelente estabilidade da mistura, que lhe conferem três características básicas e essenciais: (a) habilidade de preencher espaços nas fôrmas; (b) habilidade de passar por restrições e (c) capacidade de resistir à segregação. Estas características fazem com que o concreto autoadensável dispense a etapa de vibração.
Trocando em miúdos e sendo muito prático: o concreto autoadensável abre uma pizza com diâmetro maior que 500 mm no cone de slump e a sua exsudação é zero.
Resumidamente, isso! E se me pedissem para opinar qual das duas características é a mais importante eu não titubearia em afirmar que é a exsudação. E zero significa zero de verdade. Ou seja, não foge água alguma do interior do concreto.
Os problemas, invariavelmente, ocorrem aqui.
Em lamentáveis casos, a concreteira vende e a construtora compra, sem inocência de lá ou cá, um concreto comum de slump elevado, maior que 200 mm. A exsudação elevada o torna incompatível para o trabalho, então, adicionam-se mais cimento para ‘chupar esta água’, e para minorar os problemas esperados adicionam-se fibras de polipropileno. O lançamento é feito sem vibração e sem medo. E nem poderia ser de outra maneira, pois a parede é alta, estreita e ainda acomoda a armadura em seu interior. O concreto lançado preenche a parede, mas sem atenção alguma às lógicas da engenharia. É uma tolerância que se assiste, mas não pode persistir. A viscosidade equivocada incentiva as incrustações nas juntas, amplia a dificuldade de desforma, exsuda e cria as condições para a formação das fissuras de toda ordem.
Comercialmente falando, ignorar a norma não é bom negócio.
Depois vem a etapa de cura. Cura é igual a bife de fígado: eu não gosto, mas minha mãe exige que eu coma. Quem tira a água do concreto por evaporação, não é o sol, como a maioria das pessoas pensam, é o vento. As paredes de concreto dos edifícios são expostas como velas ao vento e a aplicação de um agente de cura química de rápida resposta é o artifício adotado para impedir os danos causados pela rápida evaporação. A cura deve ser feita no instante seguinte à desforma da parede e o produto utilizado não pode trazer problemas para a aderência dos acabamentos. Por ser aplicada à rolo, o trabalho com a cura química é mais limpo, simples e racional. Nem chega a ser bife de fígado.
Fiquei no Pará por três longos dias, mas resolvemos os procedimentos para as novas unidades e também a maneira de recuperar as já produzidas.
Uns quinze dias depois, toca o telefone. Do outro lado da linha um homem muito educado se lamentava. Aos poucos comecei a entender do que se tratava. Era uma obra em parede de concreto do Minha Casa Minha Vida no Rio Grande do Sul…
Edson Petronilho Consultor de concreto na PETRONILHO & ENGENHEIROS ASSOCIADOS, tem uma vida inteira dedicada à tecnologia do concreto e à viabilidade de suas aplicações.
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